terça-feira, 14 de junho de 2011

PARADOXOS DA DEMOCRACIA


 PARADOXOS DA DEMOCRACIA[1]


A democracia não é meramente um mecanismo de tomada de decisões por meio do voto: é uma forma de vida, um progresso moral em relação ao puro e simples jogo de forças. 
Rejane Xavier

 Dificilmente se encontrará, hoje, quem esteja disposto a contraditar a tese de que , na busca da solução dos conflitos sociais, a prevalência da vontade da maioria, aferida através do voto, é a forma democrática por excelência de decisão.  O bom senso parece indicar que, onde não é possível que todos fiquem satisfeitos, o voto majoritário é o instrumento que permite assegurar que pelo menos a maioria estará satisfeita, por ver seu ponto de vista prevalecer.

Entretanto, se isto é perfeitamente válido para cada controvérsia específica, a análise lógica mostrará resultados inesperados e surpreendentes, ao tomarmos como universo o conjunto dos interesses entre os quais uma dada sociedade se vê levada a arbitrar, em determinado momento. 

Não estamos falando simplesmente da faceta potencialmente perversa da democracia, de permitir que as minorias sejam massacradas e excluídas pelas maiorias. Na verdade, é possível mostrar que o processo democrático do voto pode promover a exclusão e a frustração das próprias maiorias, já que o domínio da maioria não garante que a maioria das pessoas consiga o que deseja.
Consideremos o exemplo abaixo, em que cinco votantes expressam as suas preferências em relação a cinco proposições em pauta:


Votantes
Resultado

A
B
C
D
E

Proposições
1
1
1
0
0
0
Rejeitada
2
0
0
1
0
1
Rejeitada
3
0
0
1
1
1
Aprovada
4
1
0
0
1
1
Aprovada
5
0
1
0
1
1
Aprovada

Perd
Perd
Perd
Ven
Ven




















1 -  Aprova              Perd: perdedor líquido
0 -  Rejeita              Venc: vencedor líquido
Marcador  rosa: quando o resultado saiu de acordo com a preferência do votante

O exemplo mostra que, neste caso, a maioria dos votantes teve a maioria das suas preferências derrotadas!

O que mostra esse paradoxo, apontado por Elizabeth Anscombe[2], é que pode ocorrer que a maioria dos participantes de um conjunto de escolhas decididas por maioria simples tenha rejeitadas não só a sua própria proposta, como a maioria das propostas que apoiou. Analisando o exemplo de Anscombe, a conclusão de Peter Geach[3] é de que "este modelo em pequena escala mostra muito claramente como um governo democrático pode causar aguda frustração à maioria de seus cidadãos através de uma série de medidas, cada uma das quais poderia com propriedade ser descrita como sendo rejeitada apenas por uma minoria, por um 'interesse setorial'; na verdade, a menos que um bom número de 'interesses setoriais' prevaleça, o país será profundamente infeliz".