sábado, 10 de março de 2012

A verdade é sempre relativa? (1)

Um bom começo para essa questão é tentar ter bem clara a diferença entre relatividade e relativismo.


Quem está "de cabeça para baixo"?
Relatividade a gente encontra desde a vida quotidiana até a ciência mais sofisticada. Jorge, que tem um metro e oitenta, é alto ou baixo? A maioria de nós, brasileiros comuns, o consideraria alto. Nos países nórdicos ou entre os Watusi da África, talvez ele fosse visto como médio, ou até baixo. A altura de uma pessoa é um conceito relativo. Minha casa está do lado direito ou esquerdo de quem passa pela rua? Depende da direção em que o passante vai (se ele está subindo ou descendo a rua).  Quem está “de cabeça para baixo”: nós, ou os japoneses? Direita, esquerda; para cima, para baixo – outros tantos conceitos relativos. Assim como rico/pobre, feliz/infeliz, gordo/magro. 
Mas na ciência, pelo menos, não temos verdades objetivas, que não dependem de pontos de vista? 
Bem, podemos dizer que temos verdades objetivas, mas isso não é o mesmo que dizer que elas “não dependem de pontos de vista”. Na Física, Einstein desenvolveu a teoria da relatividade, segundo a qual comprimento, massa e tempo não são grandezas independentes: tornam-se relativas quando as velocidades são extremamente grandes (próximas da velocidade da luz). Mas na nossa experiência comum do mundo físico, elas podem ser tratadas como independentes, e é isso o que faz a Mecânica clássica. Duas teorias científicas incompatíveis, mas que nós aceitamos como formas diferentes de descrição do mundo físico a ser usadas em situações diferentes. 
Isso quer dizer, então, que não existe uma verdade absoluta? 
Sim: nenhuma dessas verdades é absoluta. 
E quer dizer, então, que vale tudo? Cada um pode ter a sua verdade, ninguém pode ser considerado errado? 
Não; talvez até “infelizmente” não. Pois é neste momento, com este aparentemente pequeno passo, que saímos da relatividade e entramos no relativismo.
Na relatividade, aceitamos que é possível e às vezes bastante útil ter mais de um marco teórico para lidar com os fenômenos. Alguma dessas molduras conceituais pode ser mais precisa, outra mais prática, outra mais intuitiva, e assim por diante. Podemos usar o sistema decimal para dividir nossas moedas: um real, dez (vinte, trinta, cinquenta) centavos – pois isso facilita nossas contas. Mas os ingleses preferiram durante muito tempo (da conquista Normanda em 1066 até 1971) dividir a sua moeda, a libra (pound) em 20 shillings ou 240 pennies. Duzentos e quarenta é facilmente divisível por doze, por seis, por quatro, por três ou por dois, e isso tornava mais prática a manipulação das frações, ou seja, do troco. 
Até aí, estamos falando de relatividade: sistemas alternativos para lidar com a moeda. Mas daí a dizer que a metade de um real é 120 centavos, porque os ingleses dividiam a moeda em 240 partes é simplesmente um erro! Eles não estavam errados em dividir por 240; nós não estamos errados em dividir por 100: errado está quem mistura os dois sistemas, de forma incoerente. 
Podemos considerar Jorge alto ou baixo, mas se estivermos usando o sistema métrico decimal ele mede um metro e oitenta centímetros. Qualquer outra medida estará errada, dentro desse sistema. Se estivermos usando outra escala (temos todo o direito de fazê-lo) ele poderá ter outra medida de altura, por exemplo em pés ou em polegadas fracionárias ou milesimais, mas em cada sistema ele terá uma e apenas uma medida correta. 
Relatividade, sim – relativismo não!
(talvez eu continue este assunto, para falar das "verdades matemáticas". Só para dar um gostinho, Bertrand Russell - grande lógico, matemático e filósofo - dizia que a matemática é uma ciência "na qual não sabemos do que falamos nem se o que dizemos é verdade"...)