Para Marx, “justiça, liberdade, igualdade, fraternidade, independência” são categorias que " soam bem, é certo, mas não têm nenhum sentido no domínio histórico e político”.
Causam tristeza e preocupação as tentativas canhestras de alguns
setores da esquerda de minimizar a gravidade dos desmandos éticos que têm
marcado nossa política. Segundo esses defensores da máxima de que “os
fins justificam os meios”, vale tudo, desde que seja feito em nome dos
excluídos, dos historicamente explorados, dos trabalhadores, enfim, desse amálgama histórico e político comodamente reunido sob o rótulo de “o
povo”.
O raciocínio é intelectualmente simplista: a moral seria um conjunto
de normas criadas pelas elites – que não acreditam nelas nem as praticam –
para melhor manter “o povo” na passividade e na submissão. Portanto, ao chegar
ao poder, nada mais justo que “o povo” se desembarace dessas regras e passe a
prescindir de qualquer freio ético no projeto de afirmação de seus próprios
interesses e de consolidação de sua hegemonia política.
A ética deve valer também para os "amigos do povo" |
Acontece que, como toda simplificação, essa passa por cima de aspectos
importantes e, neste caso, essenciais para a própria idéia de democracia. Sem
os valores éticos que a fundamentam − como os ideais de igualdade, de justiça,
de liberdade − o que sustenta ainda a democracia? As instituições sobre as
quais ela assenta a sua existência, como o Estado de direito ou a autonomia e o
sistema de freios e compensações entre os poderes, pressupõem um princípio
ético fundamental: o reconhecimento do outro − qualquer outro − como merecedor
do mesmo respeito e da mesma consideração que eu reivindico para mim, para
minha família e para os meus amigos.