quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Epistemologia e Política

Revisando o material do estágio de capacitação que realizei em Portugal em 2012, encontrei as anotações abaixo, que achei que poderiam ser incluídas aqui:

Simpósio Internacional “Epistemologia, Lógica e Linguagem”


O Simpósio é um evento anual organizado pelo Centro de Filosofia da Ciência da Universidade de Lisboa (CFCUL) e do Grupo de Lógica, Linguagem e Informação da Universidade de Sevilha, no contexto do projeto internacional “Dinâmica do Conhecimento no Campo das Ciências Sociais: Abdução, Intuição e Invenção” Ações Integradas Luso-Espanholas (2010-2012).

Das diversas apresentações de trabalhos, que se estenderam por três dias (29-31/10/2012), destacam-se, do ponto de vista de seu interesse para os temas deste estágio, aquelas especialmente centradas nas dimensões dialógicas e criativas da linguagem e do conhecimento. A abdução – conceito e termo criados por Charles Sanders Pierce - refere-se à operação lógico-cognitiva da criação de novos conceitos e teorias, para dar conta de fatos e situações que não se deixam enquadrar nos instrumentos conceituais já disponíveis. Sua lógica difere das operações usuais na prática científica “normal” (no sentido de Thomas Kuhn), a dedução e a indução, na medida em que se trata da formulação de novos paradigmas, ou novas formas de encarar tanto as situações já conhecidas como aquelas novas, que desafiam as leis e teorias estabelecidas. No campo da teoria política, especialmente quando se trata das questões ligadas à criação de novos direitos (como aqueles direitos humanos de terceira ou mesmo de quarta geração), a atenção à lógica abdutiva adquire especial relevância.
Mapa da Lua

Um exemplo que evidencia como os conceitos pierceanos de abdução e raciocínio diagramático são centrais para as estratégias heurísticas da investigação científica contemporânea pode ser encontrado na

sábado, 2 de março de 2013

A PROPÓSITO DE WAYS OF WORLDMAKING


Mais uma do fundo do baú:

"The world is a tale, told by a fool..."
Shakespeare

Não por acaso, a pluralidade dos mundos de Nelson Goodman (GOODMAN, N. Ways of Worldmaking, Harvester Press, 1978) evoca os misteriosos e desconcertantes universos de Borges: labirintos e espelhos, indiscerníveis configurações de realidades, sonho e ficção, reelaboração indefinida (infinita ou circular, não importa) de mundos cuja substância ela própria é onírica e literária.

Quine, descrevendo o conteúdo do livro de Goodman, o qual, segundo ele, em poucas páginas "nos oferece uma filosofia do estilo, uma filosofia da citação, uma filosofia da arte, uma filosofia da ilusão ótica e uma filosofia da natureza" (QUINE, W.v.O. Otherworldly, New York Review of Books, Nov. 25. 1978), pretendeu provocar no leitor o malestar que produz a vertigem do heteróclito. Mas esse malestar se transforma facilmente em seu contrário: na "quase voluptuosa" satisfação que proporcionam as enumerações, devida − provavelmente − à insinuação do eterno, "immediata et lucida fruitio rerum infinitarum"... (BORGES. J.L. História da Eternidade. Porto Alegre/Rio, Globo, 1982, pp. 24.28/29).

O worldmaking seria então algo como uma "instituição imaginária da realidade", à Castoriadis, ou como a "produção desejante" do Anti-Édipo, desterritorializando territorialidades para reconstituí-las noutro lugar? Worldmaking/esquizofrenia: the world as a tale told by a fool?

A idéia de que o mundo possa ser construído já é por si mesma bastante chocante para o senso comum. Goodman lhe acrescenta um duplo pluralismo:o dos mundos construídos e o das modalidades da construção. Os mundos de Goodman não são "mundos possíveis", múltiplas alternativas para o (único) mundo real, nem constituem diferentes versões ou descrições desse (mesmo) mundo. Aos diferentes sistemas simbólicos das ciências, da filosofia, das artes, da percepção ou do discurso quotidianos correspondem diferentes mundos, que mantêm entre si as mais variadas relações. Por que, e como, privilegiar um deles com o o título de mundo real, fundamento comum e substância de todos os demais? Por que conferir a uma dada versão, seja ela a do senso comum ou a de alguma ciência, o caráter de versão canônica à qual todas as outras deveriam ser redutíveis?

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

COMO CAIU O MUNDO QUE CARNAP CONSTRUIU EM 1928


Rejane Xavier

RESUMO

Neste artigo[1] proponho uma interpretação não-standard das razões que levaram Carnap a abandonar seu projeto de construção lógica do mundo, formulado no Aufbau[2]. Pretendo acrescentar elementos para uma leitura dessa obra que podem lançar nova luz sobre sua apreciação filosófica. A construção lógica do mundo de Carnap é tratada a partir de três pontos de vista: sua sintonia com a mentalidade da época; seu objetivo de justificar a ciência empírica; e o formalismo com que o comprometem seus pressupostos racionalistas e seu uso do instrumental lógico-matemático. À luz desses três pontos de vista busco explicitar por que o projeto encontrou limites ou conduziu a resultados que levaram o próprio Carnap a rejeitá-lo e abandoná-lo.

ABSTRACT
This text argues for a nonstandard interpretation of Carnap´s reasons to abandon his project of a logical construction of the world, built up in the Aufbau. It is suggested that there are reasons to believe that under new elements the reading of the Aufbau would lead to a different appraisal of it as a philosophical work. Carnap´s logical construction of the world is treated from three points of view: its being in tune with the mindset of his time, its intention to justify empirical science, and the formalism with which it is committed under its rationalist assumptions and its use of the logical-mathematical instruments. In the light of these three viewpoints it is explored the question of explaining why the project found limitations and produced results that led Carnap to the point of rejecting and abandoning it.

Qualquer pessoa que já passou os olhos pelo Aufbau, ou teve alguma notícia do que se trata nessa obra, sabe que Carnap, aí, pretendeu "definir todos os conceitos empíricos sobre uma base fenomenista" (o que é certo) e conclui, provavelmente, que Carnap é portanto um empirista humeano (o que é falso). Mas não era exatamente isso o que sustentava Hume, que todas as nossas ideias são feixes de impressões, e que devíamos procurar, para cada ideia, a impressão ou impressões de que provém? Perfeitamente. O leitor ligeiramente mais sofisticado acrescentará que, por certo, Carnap é um empirista lógico, para quem conceitos não são "feixes" de impressões, mas "complexos lógicos" (classes e extensões de relações de diversos tipos lógicos, construídas a partir de certos elementos básicos), e que a definição que ele busca dos conceitos empíricos em termos de conceitos básicos não é uma tradução termo a termo, mas uma regra que permita transformar enunciados sobre os primeiros em enunciados sobre os últimos.

Se este leitor imaginário acrescentar, ao fim do período anterior, a expressão salva veritate, já podemos começar a conversar seriamente com ele sobre Carnap e o Aufbau. Mas antes, vejamos qual a sua opinião sobre o balanço dessa obra. Se ele nos disser que tudo não passou de um projeto ambicioso e cuidadoso, que entretanto teve de ser abandonado ("pois não é possível definir nem mesmo os conceitos empíricos mais elementares, como mostrou Goodman"; "a construção dos objetos físicos é defeituosa, como mostrou Quine"; "a lógica utilizada tinha limitações que Carnap na época não podia avaliar, como mostraram Godel e Church"), podemos estar certos de que, embora cuidadosa, sua leitura não chegou a questionar a received view a propósito de Aufbau.

A interpretação não-standard que proponho não se contrapõe cabalmente a essa que acaba de ser rapidamente evocada. Quase tudo o que acaba de ser dito é verdadeiro, com exceção da conclusão sobre o "empirismo" de Carnap. e sobre as razões que o levaram a abandonar o projeto. Minha contribuição pretende ser a de acrescentar elementos à versão usual sobre o Aufbau, lançando alguma nova luz sobre sua apreciação filosófica. Entender o objetivo do Aufbau como o de justificar ou legitimar os conceitos empíricos, comuns e científicos, e não simplesmente como o de "definir todos os conceitos empíricos a partir do dado" (o que não passa do meio para chegar àquele objetivo).

É esta a (talvez pequena) mudança de ênfase que proponho, mas que ao final fará toda a diferença. De projeto "empirista", o Aufbau passará a projeto "neotranscendental"; de tentativa fracassada, ele se tornará uma redução ao absurdo dos pressupostos racionalistas e da démarche transcendental a que recorre para dar conta da demanda de justificação, da quaestio juris frente à ciência empírica, da qual quis validar a pretensão de objetividade. "Redução ao absurdo" não por ter vindo a manifestar uma contradição interna dentro do caminho racionalista e formalista que trilhou, mas por levar a resultados inaceitáveis à luz de concepções independentes, essas sim empiristas, sobre "o caráter aberto e a inevitável incerteza de todo o conhecimento factual", cuja revisabilidade precisamente, para Carnap, importava acima de tudo assegurar ao final: mesmo ao preço de abandonar o paradigma de justificação inicialmente adotado.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O Big Brother e o interesse público



 Jornalistas sérios costumam distinguir entre o que definem como “interesse público” e aquilo que chamam, pejorativamente, de “interesse do público”. Enquanto esse último estaria voltado para abordagens e temas conjunturais, carregados de emoção e até mesmo de sensacionalismo, o interesse público diria respeito principalmente às questões políticas maiores, ou seja, àquelas que afetam, de forma mais profunda e permanente, a vida da sociedade e os destinos da nação.
Esta distinção daria conta não só do afastamento do público em relação às análises e coberturas políticas “sérias” da mídia, mas também, em larga medida, do conceito negativo da população – que as pesquisas de opinião revelam – em relação aos políticos e à própria política e suas instituições.
Contudo, é preciso questionar esses conceitos, por mais que eles sirvam à satisfação dos “porta-vozes do interesse público” e minimizem o fato de que a maior parte da população os rejeita ou ignora.

 PJs e BBs

Stephen Coleman, professor visitante de e-Democracy no Oxford Internet Institute (OII), oferece uma inovadora abordagem sobre o tema, voltada a questionar a forma passiva como esse afastamento entre interesse público e do público tem sido aceita. No que segue, tratarei de apresentar e resumir suas idéias, muitas vezes recorrendo às suas próprias formulações[1].