sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O Big Brother e o interesse público



 Jornalistas sérios costumam distinguir entre o que definem como “interesse público” e aquilo que chamam, pejorativamente, de “interesse do público”. Enquanto esse último estaria voltado para abordagens e temas conjunturais, carregados de emoção e até mesmo de sensacionalismo, o interesse público diria respeito principalmente às questões políticas maiores, ou seja, àquelas que afetam, de forma mais profunda e permanente, a vida da sociedade e os destinos da nação.
Esta distinção daria conta não só do afastamento do público em relação às análises e coberturas políticas “sérias” da mídia, mas também, em larga medida, do conceito negativo da população – que as pesquisas de opinião revelam – em relação aos políticos e à própria política e suas instituições.
Contudo, é preciso questionar esses conceitos, por mais que eles sirvam à satisfação dos “porta-vozes do interesse público” e minimizem o fato de que a maior parte da população os rejeita ou ignora.

 PJs e BBs

Stephen Coleman, professor visitante de e-Democracy no Oxford Internet Institute (OII), oferece uma inovadora abordagem sobre o tema, voltada a questionar a forma passiva como esse afastamento entre interesse público e do público tem sido aceita. No que segue, tratarei de apresentar e resumir suas idéias, muitas vezes recorrendo às suas próprias formulações[1].

Coleman não subscreve a posição sobranceira dos “viciados em política” (political junkiesPJs daqui em diante) frente ao “espectadores do Big Brother” (BBs, no que segue). Os ativistas políticos – segundo o professor – gostam de reuniões, palestras, articulações e campanhas, e consideram seus prazeres como prova de sofisticação social e consciência cívica. Eles acham que devem promover as suas virtudes no seio da comunidade. Sua mensagem, em todo mundo, é "Seja mais como nós e a democracia será melhor para todos”. O fato de que a maioria das pessoas seja inteiramente impermeável à “lógica” dos ativistas não parece abalá-los.
Como Coleman mostrou num estudo já não tão recente[2], os PJs têm pouco respeito pelas perspectivas culturais e pelos valores dos BBs, embora os BBs tenham uma boa dose de respeito pelos politicamente ativos PJs. Enquanto os PJs se mostram convencidos das suas próprias virtudes cívicas e intelectuais e da lamentável ausência das mesmas nos BBs, estes últimos também estão convencidos de que possuem suas próprias virtudes, como empatia e capacidade de avaliação de qualidades morais.
Programas como o Big Brother apelariam para uma espécie de “vigilância pública das emoções privadas”, que atrai os BBs, mas raramente interessa aos PJs.

O desafio aos comunicadores políticos

Não há dúvida, para Coleman, de que existe uma desconexão cultural radical entre as formas de pensar, agir e expressar-se dos políticos e as normas da sociabilidade quotidiana.
As pesquisas mostram que – praticamente em todos os países– a população considera que os políticos vivem em um mundo à parte, sem nenhuma conexão com a realidade das pessoas em geral.
Essa sensação de “estranhamento intergaláctico” traduz-se, segundo Coleman, numa constelação de atitudes que estão subjacentes à crise contemporânea de distanciamento do público frente às instituições e processos políticos.
Da mesma forma, os políticos – e o jornalismo centrado na “política séria” – parecem falar uma “outra língua”, que soa distante, quando não falsa, aos ouvidos afeitos aos ritmos e estratégias do discurso quotidiano.
Aceitar essa situação como “normal”, ou tentar modificá-la “educando” as pessoas comuns para que sintam e pensem como os PJs não levará certamente a diminuir esse abismo.
A grande pergunta, tal como a coloca Coleman, seria:
“Podem ser encontradas maneiras de traduzir a habilidade e energia da inteligência emocional para o discurso político de cidadania? Existem formas de tornar a política mais sensível aos discursos informais, às conversações e interações da vida cotidiana?”

Tentando responder

“Reconectar” o mundo da política com o mundo das pessoas comuns é uma tarefa que não pode ser empreendida à luz das velhas categorias. Reconexão não é essencialmente uma questão de persuadir cidadãos desligados a gostar de participar nas estruturas políticas tradicionais. Para a maioria dos cidadãos, é na desconexão dos políticos em relação à vida quotidiana que está o problema.
O isolamento dos políticos e das instituições representativas em relação ao discurso e à cultura popular precisa ser encarado como parte do problema, mas não se deve imaginar que possa ser resolvido de forma voluntarista. Não bastam campanhas de marketing bem conduzidas, se o estilo e a forma das estruturas políticas existentes são eles próprios a causa do desencanto original.
Complementando Coleman, lembro de uma reunião em que políticos perguntavam a várias mulheres politicamente engajadas e esclarecidas por que elas relutavam em se filiar a um partido e atuar partidariamente. Uma das respostas foi que a atuação partidária era uma “concorrência predatória”, onde os próprios companheiros travam ferozes disputas dentro do mesmo espaço eleitoral. Isso seria a antítese do ideal que movia aquelas mulheres a atuar politicamente, porém fora de partidos: o ideal de agir em conjunto, de forma colaborativa, por algo que elas consideravam certo e bom para a sociedade.
Para os modernos proponentes da reconexão, a questão de como reconfigurar as relações entre os dois mundos passa pela questão - emocional tanto quanto estrutural - de como proporcionar uma experiência de comunicação mútua e significativa entre as duas esferas.

Comunicação de mão dupla

Políticos sabem que devem “ouvir a opinião pública”, por um lado, e “prestar contas da sua atuação”, por outro. Pesquisas de opinião e constante esforço para que “os meios de comunicação” comerciais ou institucionais transmitam ao público o que eles pensam e fazem são os canais mais presentes no seu repertório de estratégias para essa comunicação de “mão dupla”.
Não é disso que se trata quando se fala em diálogo. O jargão político engessado por ideologias ou disfarçado de gerencialismo não “cola” no universo do discurso popular, coloquial e emocional.
Para Coleman, o discurso da experiência comum deve ser a linguagem padrão da conversação democrática. Um diálogo político autêntico entre os políticos e o público requer um processo de tradução - não para fazer “a Dona Maria” entender o jargão dos políticos, mas para permitir aos políticos ouvir o que as pessoas comuns têm a dizer e se comunicar com elas numa linguagem inteligível.
A eleição e a atuação de figuras como o BBB Jean Wyllys, o palhaço Tiririca ou o ex-jogador de futebol Romário, oriundos das áreas populares do entretenimento ou do esporte, são exemplos de como “o discurso da experiência comum” pode chegar ao mundo da política e com isso aproximar desse mundo o universo do cidadão comum.   
Esse trabalho de tradução e de aproximação – feito intuitivamente de forma brilhante por políticos como o ex-presidente Lula – seria tarefa para um jornalismo político que por demasiado tempo tem se consolado do seu isolamento se auto-constituindo como porta-voz do indefinível “interesse público”.

Rejane Xavier
Brasília, janeiro 2013.



[1]  WHOSE CONVERSATION? Engaging the Public in Authentic Polylogue
Stephen Coleman, Oxford University (The Political Quarterly, April, 2004)
[2] ‘A Tale of Two Houses: the House of Commons, the Big Brother house
and the people at home’, Parliamentary Affairs, October 2003

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