Esta distinção daria conta não
só do afastamento do público em relação às análises e coberturas políticas
“sérias” da mídia, mas também, em larga medida, do conceito negativo da
população – que as pesquisas de opinião revelam – em relação aos políticos e à
própria política e suas instituições.
Contudo, é preciso questionar
esses conceitos, por mais que eles sirvam à satisfação dos “porta-vozes do
interesse público” e minimizem o fato de que a maior parte da população os
rejeita ou ignora.
PJs e BBs
Stephen Coleman, professor
visitante de e-Democracy no Oxford Internet Institute (OII), oferece uma
inovadora abordagem sobre o tema, voltada a questionar a forma passiva como
esse afastamento entre interesse público e do público tem sido aceita. No que
segue, tratarei de apresentar e resumir suas idéias, muitas vezes recorrendo às
suas próprias formulações[1].
Coleman não subscreve a posição
sobranceira dos “viciados em política” (political
junkies – PJs daqui em diante)
frente ao “espectadores do Big Brother” (BBs,
no que segue). Os ativistas políticos – segundo o professor – gostam de reuniões, palestras,
articulações e campanhas, e consideram seus prazeres como prova de sofisticação
social e consciência cívica. Eles acham que devem promover as suas virtudes no
seio da comunidade. Sua mensagem, em todo mundo, é "Seja mais como nós e a
democracia será melhor para todos”. O fato de que a maioria das pessoas seja
inteiramente impermeável à “lógica” dos ativistas não parece abalá-los.
Como Coleman mostrou num estudo
já não tão recente[2],
os PJs têm pouco respeito pelas perspectivas culturais e pelos valores dos BBs,
embora os BBs tenham uma boa dose de respeito pelos politicamente ativos PJs.
Enquanto os PJs se mostram convencidos das suas próprias virtudes cívicas e
intelectuais e da lamentável ausência das mesmas nos BBs, estes últimos também
estão convencidos de que possuem suas próprias virtudes, como empatia e
capacidade de avaliação de qualidades morais.
Programas como o Big Brother
apelariam para uma espécie de “vigilância pública das emoções privadas”, que
atrai os BBs, mas raramente interessa aos PJs.
O desafio aos comunicadores políticos
Não há dúvida, para Coleman, de
que existe uma desconexão cultural radical entre as formas de pensar, agir e
expressar-se dos políticos e as normas da sociabilidade quotidiana.
As pesquisas mostram que –
praticamente em todos os países– a população considera que os políticos vivem
em um mundo à parte, sem nenhuma conexão com a realidade das pessoas em geral.
Essa sensação de “estranhamento
intergaláctico” traduz-se, segundo Coleman, numa constelação de atitudes que
estão subjacentes à crise contemporânea de distanciamento do público frente às
instituições e processos políticos.
Da mesma forma, os políticos – e
o jornalismo centrado na “política séria” – parecem falar uma “outra língua”,
que soa distante, quando não falsa, aos ouvidos afeitos aos ritmos e
estratégias do discurso quotidiano.
Aceitar essa situação como
“normal”, ou tentar modificá-la “educando” as pessoas comuns para que sintam e
pensem como os PJs não levará certamente a diminuir esse abismo.
A grande pergunta, tal como a
coloca Coleman, seria:
“Podem ser encontradas maneiras de traduzir a
habilidade e energia da inteligência emocional para o discurso político de
cidadania? Existem formas de tornar a política mais sensível aos discursos
informais, às conversações e interações da vida cotidiana?”
Tentando responder
“Reconectar” o mundo da política
com o mundo das pessoas comuns é uma tarefa que não pode ser empreendida à luz
das velhas categorias. Reconexão não
é essencialmente uma questão de persuadir cidadãos desligados a gostar de
participar nas estruturas políticas tradicionais. Para a maioria dos cidadãos,
é na desconexão dos políticos em
relação à vida quotidiana que está o problema.
O isolamento dos políticos e das
instituições representativas em relação ao discurso e à cultura popular precisa
ser encarado como parte do problema, mas não se deve imaginar que possa ser
resolvido de forma voluntarista. Não bastam campanhas de marketing bem
conduzidas, se o estilo e a forma das estruturas políticas existentes são eles
próprios a causa do desencanto original.
Complementando Coleman, lembro
de uma reunião em que políticos perguntavam a várias mulheres politicamente
engajadas e esclarecidas por que elas relutavam em se filiar a um partido e
atuar partidariamente. Uma das respostas foi que a atuação partidária era uma
“concorrência predatória”, onde os próprios companheiros travam ferozes
disputas dentro do mesmo espaço eleitoral. Isso seria a antítese do ideal que
movia aquelas mulheres a atuar politicamente, porém fora de partidos: o ideal de agir em conjunto, de forma
colaborativa, por algo que elas consideravam certo e bom para a sociedade.
Para os modernos proponentes da
reconexão, a questão de como reconfigurar as relações entre os dois mundos
passa pela questão -
emocional tanto quanto estrutural - de como proporcionar uma
experiência de comunicação mútua e significativa entre as duas esferas.
Comunicação de mão dupla
Políticos sabem que devem “ouvir
a opinião pública”, por um lado, e “prestar contas da sua atuação”, por outro.
Pesquisas de opinião e constante esforço para que “os meios de comunicação”
comerciais ou institucionais transmitam ao público o que eles pensam e fazem
são os canais mais presentes no seu repertório de estratégias para essa
comunicação de “mão dupla”.
Não é disso que se trata quando
se fala em diálogo. O jargão político
engessado por ideologias ou disfarçado de gerencialismo não “cola” no universo
do discurso popular, coloquial e emocional.
Para Coleman, o discurso da
experiência comum deve ser a linguagem padrão da conversação democrática. Um
diálogo político autêntico entre os políticos e o público requer um processo de
tradução -
não para fazer “a Dona Maria” entender o jargão dos políticos, mas para
permitir aos políticos ouvir o que as pessoas comuns têm a dizer e se comunicar
com elas numa linguagem inteligível.
A eleição e a atuação de figuras
como o BBB Jean Wyllys, o palhaço Tiririca ou o ex-jogador de futebol Romário,
oriundos das áreas populares do entretenimento ou do esporte, são exemplos de
como “o discurso da experiência comum” pode chegar ao mundo da política e com
isso aproximar desse mundo o universo do cidadão comum.
Esse trabalho de tradução e de
aproximação – feito intuitivamente de forma brilhante por políticos como o
ex-presidente Lula – seria tarefa para um jornalismo político que por demasiado
tempo tem se consolado do seu isolamento se auto-constituindo como porta-voz do
indefinível “interesse público”.
Rejane Xavier
Brasília, janeiro 2013.
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