sexta-feira, 24 de julho de 2009

Sobre a indução e as ciências empíricas


O núcleo epistemológico da discussão sobre a indução e seu papel na metodologia das ciências empíricas pode ser resumido numa pergunta muito simples: o princípio da indução é, e deve ser, a base das ciências empíricas modernas ou, posto sob suspeição desde Hume, no século XVIII, estaria hoje praticamente desacreditado, tendo sucumbido às críticas de Popper e ao paradoxo de Hempel?

O conceito de indução (o tipo de raciocínio que nos leva a tirar conclusões gerais, ou a fazer previsões sobre casos não observados, a partir dos casos que já observamos) tem um longo passado filosófico, que vale a pena revisitar.

Aristóteles foi quem primeiro se ocupou sistematicamente da indução, e deu-lhe um fundamento que dependia da sua metafísica, isto é, do que ele pensava a respeito da natureza da realidade e do conhecimento. O conhecimento científico era, para Aristóteles, essencialmente classificatório. Num mundo de seres que se organizam e se hierarquizam de acordo com formas ou essências imutáveis, um enunciado científico afirma de um indivíduo que ele pertence a alguma espécie, ou de alguma espécie que ela pertence a um gênero. O indivíduo é o caso concreto, o particular; afirmar que ele pertence a uma espécie é determinar a sua essência, captando o que há nele de universal. Os universais, as essências, segundo Aristóteles, existem nas coisas, nos particulares. A indução (in-ducere, conduzir para dentro) consistiria exatamente nesse reconhecimento do conceito (o universal) dentro do sensível (o particular). Ao observarmos o comportamento de um fenômeno em diversos casos particulares e reconhecermos uma regularidade, seríamos levados naturalmente a inferir que este comportamento regular é uma manifestação da essência do fenômeno, e a prever que o mesmo comportamento se manifestará nos casos que vierem a ser observados futuramente. Esse é, basicamente, o modo como Aristóteles entende e justifica a indução.

Depois de dois mil anos de reinado quase absoluto, as idéias metafísicas de Aristóteles passaram a ser contestadas pela filosofia moderna. Hume, em particular, rejeitou o essencialismo aristotélico, e com isso solapou as bases da indução. A ligação entre os casos particulares e a lei geral deixa de depender da presença do universal na coisa, e passa a ser vista como resultado de mera expectativa subjetiva, com base no hábito. Com isso, Hume não rejeita nem desvaloriza a indução como recurso da vida quotidiana ou da ciência empírica: apenas priva da pretensão de certeza metafísica, absoluta, inquestionável, o conhecimento obtido por meio dela.

A crítica humeana à teoria aristotélica da indução não impediu que o empirismo lógico, concepção dominante na filosofia da ciência até os anos 50, defendesse uma visão indutivista do método científico. Acreditava-se que as leis gerais das ciências empíricas eram obtidas por indução a partir da observação de casos particulares, constituindo um simples resumo ou "condensação" da experiência concreta. Além de ser obtidas por indução, as leis gerais, para os empiristas lógicos, seriam confirmadas também indutivamente. Quanto mais instâncias positivas (casos particulares que concordam com a lei) fossem observadas, maior seria o grau de confirmação da lei ou hipótese. Aliás, leis seriam apenas hipóteses com grau de confirmação suficientemente elevado. Foi a idéia de grau de confirmação que levou a tentativas de aplicação do cálculo de probabilidades a essa discussão, sem maior êxito.

O descrédito da concepção indutivista do método científico foi obra em grande parte de Popper. Popper pretendeu ter resolvido o problema da indução de maneira nova e radical: simplesmente mostrando que não existe o problema da indução na ciência empírica, pela boa razão de que a ciência empírica não é indutiva. Hipóteses científicas nem são obtidas por generalização indutiva, nem são confirmadas pela repetição de casos positivos. A ciência procede por conjeturas (generalizações ousadas, sem apoio lógico na experiência) e refutações. O que fortalece nossas hipóteses é a sua resistência às tentativas engenhosas e honestas de refutação a que forem submetidas e às quais conseguirem sobreviver. A esse processo, Popper chama corroboração.

Toda a teoria de Popper sobre o método científico repousa em última análise sobre uma aparentemente curiosa propriedade lógica dos enunciados universais. As hipóteses e leis científicas costumam expressar-se como enunciados universais: "sempre que há expectativa de congelamento, os preços são aumentados", por exemplo, ou "todos os corvos são pretos", mais simplesmente. Podemos expressar a estrutura lógica mais grosseira dessas leis através da forma "sempre que A, B", ou A -> B ("A implica B"). Pois bem, centenas ou milhares de casos onde A é acompanhado ou seguido de B não eliminam a possibilidade lógica de que A possa vir a ocorrer sem B. Entretanto, um único caso observado de A sem B derruba a lei geral, que afirma universalmente a implicação de B por A.

Essa assimetria lógica foi o que levou Popper a sustentar que os enunciados universais, embora não possam ser confirmados, podem ser refutados. Logicamente, "todos os corvos são pretos" é equivalente a "se algo não é preto, então não é corvo". Uma única observação de um corvo não-preto derruba um enunciado geral que concorda com milhares de observações de corvos pretos. Aqui, é preciso ter cuidado com dois erros lógicos que se cometem com muita facilidade, a tal ponto nos parecendo naturais que receberam o nome especial de falácias: a falácia da afirmação do consequente, e a falácia da negação do antecedente. Um exemplo nos ajudará a entendê-las.

Seja a hipótese ou lei geral: "se há expectativa de congelamento, então os preços aumentam", que representaremos por "se A, então B", ou A->B. Poderíamos ser tentados a pensar que sería lícito concluir, com base nessa lei que "se não há expectativa de congelamento, os preços não aumentam" (não-A -> não-B), ou que "se os preços aumentaram, então havia expectativa de congelamento" (B->A). Acontece, entretanto, que nenhuma dessas duas afirmações é consequência da nossa hipótese inicial, e ambas podem muito bem ser falsas enquanto aquela é verdadeira. Pode perfeitamente ocorrer que não haja expectativa de congelamento e os preços aumentem por outros motivos (quebra de safra, por exemplo); isso mostra que é possível que os preços tenham aumentado sem que houvesse expectativa de congelamento. Essas duas últimas afirmações são logicamente equivalentes entre si, mas não à primeira.

É neste ponto que entra Hempel, com seu famoso paradoxo dos corvos. Hempel também se baseia na equivalência lógica entre “A->B” e “não-B -> não-A”. Seu objetivo, entretanto, é uma crítica da idéia de confirmação de um enunciado geral por suas instâncias positivas. É razoável supor que tudo o que confirma um enunciado, confirma também os enunciados que lhe são logicamente equivalentes. Mas, nesse caso, cada confirmação do enunciado não-B->não-A é também uma confirmação do enunciado A->B. Observações as mais disparatadas "confirmam" o enunciado "se algo não é preto, então não é corvo". Cada coisa não-preta que observamos e que não for um corvo o confirma: esta parede, meu sapato, o Taj-Mahal não são pretos e não são corvos. Mas nossa intuição nos diz que isso não tem nada a ver com o enunciado, logicamente equivalente, "todos os corvos são pretos".

O paradoxo de Hempel mostra que a confirmação não é uma operação puramente lógica, o que aliás não deveria ser tão surpreendente assim. Quando se trata de ciência empírica nem todos os problemas podem ser resolvidos apelando simplesmente à lógica ! Hempel não coloca em dúvida a legitimidade da indução como princípio metodológico da ciência empírica, mas nos leva a questionar a teoria filosófica que sustenta serem os enunciados gerais das ciências empíricas confirmados logicamente pelos casos positivos observados.

Somando-se as críticas de Popper e de Hempel, teríamos que nem a indução é o caminho que leva à formulação das leis científicas, nem a confrontação indutiva das mesmas com a experiência lhes assegura a confirmação.

Há outros paradoxos lógicos associados à confirmação, como o das esmeraldas verzuis de Nelson Goodman. Muito complicado para ser apresentado aqui, ele mostra que a mesma base empírica - os mesmos fatos observados - pode dar lugar a diferentes (e incompatíveis) projeções indutivas, o que vem a reforçar uma saudável dose de ceticismo quanto à obrigatoriedade de aceitar conclusões indutivas, sejam elas quais forem.

Mais longe do que isso vão as idéias contraindutivas de Paul Feyerabend. Para Popper, o momento mais essencial do método científico (aquele em que as idéias ousadas, as conjeturas, devem enfrentar o tribunal da experiência) deve passar pela busca de dados que contrariem a teoria. Para Feyerabend, não só devemos procurar dados que contrariem nossas teorias, como precisamos procurar teorias que contrariem os nossos dados (e as nossas velhas teorias). Inspirando-se em J.Stuart Mill, e apoiando-se não em razões lógicas, mas humanísticas, Feyerabend propõe-se a, dessa forma, enriquecer a metodologia científica. A contradição funcionaria como um "princípio de proliferação", crítico, criativo, pluralista, agindo no sentido de desesclerosar as categorias científicas e de nos tornar capazes de pensar, sentir, ver, experimentar o mundo de maneiras alternativas.

Além de buscar teorias que estejam de acordo com os fatos, para Feyerabend a ciência empírica deveria também trabalhar com hipóteses inconsistentes com teorias ou com dados bem estabelecidos. Talvez aparentemente absurda, essa sugestão "anarquista" apresenta bons fundamentos históricos. Ao afirmar o movimento da Terra, a evolução das espécies ou a sexualidade infantil, Copérnico, Darwin e Freud não estavam por acaso contrariando teorias e "fatos" bem estabelecidos e aceitos?

Podemos encerrar este apanhado da questão afirmando que não é adequado entender as teorias empíricas, especialmente as mais avançadas, como meras generalizações indutivas de observações recolhidas espontaneamente ou de modo mais ou menos sistemático. São construções conceituais altamente complexas, que envolvem desde simplificações drásticas em seu ponto de partida (como quando a Física pretende se ocupar de "sistemas isolados", ou a Economia se propõe a tratar da "concorrência perfeita"); postulações de processos e entidades não observáveis; aparatos matemáticos sofisticados; pressuposições metafísicas muitas vezes não explicitadas; até recortes do real frequentemente carregados de viezes ideológicos, entre tantos outros elementos!

Entender como tudo isso funciona é tarefa fascinante, e entender a relevância dessa questão é essencial para ter, da ciência empírica, uma visão dinâmica e não dogmática. A indução, metodologicamente útil e praticamente indispensável, à ciência como à vida quotidiana, não assegura aos seus resultados nenhum caráter de verdade absoluta e imutável. Garante-lhes, ao contrário, a porosidade e o caráter aberto, essenciais para o progresso científico, e para a liberdade e a criatividade do pensamento humano.

As teses de Popper sobre a lógica das ciências sociais

Todos os corvos são pretos.
 Em seu Congresso de 1961, a Sociedade de Sociologia Alemã promoveu um debate em torno do positivismo e da dialética como modelos explicativos nas ciências sociais. Assim, sob a mediação de Ralf Dahrendorf e outros, Karl Popper ( ...) expôs suas teses acerca da lógica das ciências sociais. Naquela ocasião, coube a Theodor Adorno, representante da Escola de Frankfurt e, ao lado de Max Horkheimer, um dos formuladores da “teoria crítica”, oferecer uma réplica àquelas teses tendo como ponto de partida a dialética.
Em seguida, surgiu uma série de comentários sobre o tema, além dos que foram feitos durante o evento e publicados na forma de livro, o que bem demonstra a sua relevância. Tal fato, aliás, está ressaltado, entre nós, por exemplo, em Marcondes (1998, p. 265), quando este lembra a importância da “polêmica dos frankfurtianos com Karl Popper, nos anos 60, em torno da caracterização da racionalidade científica”, e em Freitag (1986, p. 43-52), que destaca as contribuições que se seguiram ao debate, em particular as de Herbert Marcuse, de Jürgen Habermas e do próprio Adorno. (http://www.fundaj.gov.br/tpd/106.html)
Transcrevo aqui a exposição de Popper de 1961, pela sua importância nos debates epistemológicos, ao longo dos anos seguintes

A LÓGICA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS  *

Karl R. Popper

Na minha exposição sobre a lógica das ciências sociais gostaria de tomar como ponto de partida duas teses que exprimem o antagonismo entre o nosso saber e o nosso não-saber.

Primeira Tese: Sabemos uma imensidade de coisas - e não apenas alguns pormenores de interesse intelectual duvidoso, mas também e, sobretudo, coisas que, para além de se revestirem da maior importância prática, podem nos proporcionar um conhecimento teórico profundo e uma admirável compreensão do Universo.

Segunda Tese: A nossa ignorância não tem limites e é desencorajadora. Na verdade, é precisamente o progresso grandioso das ciências da natureza (a que alude a minha primeira tese) que nos abre permanentemente os olhos para a nossa ignorância, mesmo na área das ciências naturais. Daí que a idéia socrática do não-saber tenha tomado um rumo completamente novo. Com cada passo em frente que damos, com cada problema que resolvemos, descobrimos não só novos problemas não resolvidos, como constatamos também que quando julgávamos pisar terreno firme e seguro, tudo é de fato incerto e vacilante.
Naturalmente que ambas as minhas teses sobre o saber e o não-saber só na aparência estão em contradição entre si. Essa aparente contradição resulta sobretudo do fato de a palavra "saber" ser usada na primeira tese com um sentido um pouco diferente do da segunda tese. No entanto, ambas as acepções são importantes, como importantes são ambas as teses. Tanto assim, que gostaria de as formular numa terceira tese.

Do we need to change the definition of science?

Um dos assuntos que sempre me fascinou: como a nossa mente constrói explicações e faz previsões sobre o mundo físico... e depois as abandona e substitui por outras

Do we need to change the definition of science? - science-in-society - 07 May 2008 - New Scientist

Shared via AddThis

quinta-feira, 23 de julho de 2009

O céu que nos protege - o livro


The Sheltering Sky foi publicado originalmente em 1949. Paul Bowles, o autor, viveu vários anos no norte da África, especialmente no Marrocos. Na época da publicação do livro tinha 39 anos, e era mais conhecido como músico (compositor) de vanguarda do que como escritor.  

The Sheltering Sky mereceu, por ocasião de seu lançamento, uma resenha de Tennessee Williams no New York Times.  Williams distingue um aspecto externo dessa narrativa, segundo o qual ela é “an account of startling adventure”, e um aspecto interior, onde Bowles nos apresenta “an allegory of the spiritual adventure of the fully conscious person into modern experience”.

Essa dimensão alegórica não se intromete na narrativa, que pode ser lida apenas como o relato da aventura de um pequeno grupo de jovens americanos em terras exóticas. Muita gente, acredita T.Williams, vai ler esse livro sem nem suspeitar de que ele contém “a mirror of what is most terrifying and cryptic within the Sahara of moral nihilism, into which the race of man now seems to be wandering blindly”.

(http://www.nytimes.com/books/98/05/17/specials/bowles-sheltering.html?_r=1) .

O céu que nos protege


The Sheltering Sky is an allegory of the spiritual adventure of the fully conscious person into modern experience... [It] contains a mirror of what is most terrifying and cryptic within the Sahara of moral nihilism, into which the race of man seems to be wandering blindly.
[do prefácio de Tennessee Williams]



O livro em que se baseou o filme de Bertolucci O céu que nos protege (1990) foi escrito por Paul Bowles em 1949. Está portanto completando 60 anos agora em 2009. Nem o livro nem o filme foram grandes sucessos de público em seus respectivos lançamentos, mas sempre tiveram admiradores de peso. Eu confesso que adorei o filme, e fui ler o livro por causa de um trabalho de História do Cinema sobre a obra de Bertolucci – nos idos de 91, quando cursava Jornalismo na UnB.
A seguir, algumas reflexões sobre ambos – o livro e o filme – que se misturaram de tal forma para mim que já não consigo separá-los.

O filme:
The Sheltering Sky. EUA, 1990.
Diretor: Bernardo Bertolucci
Roteiro: Mark Peploe e Bernardo Bertolucci. Baseado no livro de Paul Bowles.
Fotografia: Vittorio Storaro
Montagem: Gabriella Cristiani
Música: Ryuichi Sakamoto
Elenco: Debra Winger (Kit), John Malkovich (Port), Campbell Scott (Tunner).


Um filme “pós-industrial”
A idéia de que o sentido é algo que deve ser produzido - de que não está aí sempre já dado, por Deus, pela Natureza - é um elemento que aproxima o cinema do pathos do homem ocidental moderno e de sua forma de vida permanentemente revolucionária.
A montagem cinematográfica tem uma forte correlação com a "linha de montagem" industrial: há uma intervenção humana, armada de propósitos e de instrumentos poderosos, atuando para conferir aos materiais, aos ritmos e às formas da natureza uma utilidade e um sentido novos, produzidos por essa mesma intervenção.
Como filme, O céu que nos protege é ”pós-industrial”: entra em choque com a atitude e com a estética da linha de montagem, tanto por seu conteúdo como por sua forma, e talvez por isso nos produza, à primeira vista, uma reação de estranhamento e mesmo de rejeição.
Chato ou brilhante?, perguntava-se sobre ele uma crítica de jornal: chato e brilhante, creio que deveria ser a resposta. Chato porque foge dos padrões de ritmo e de construção a que estamos condicionados ("é lento", "não acontece nada"); brilhante porque é isso mesmo o que pretende, porque o tema que propõe é precisamente o esgotamento do indivíduo diante de um mundo que está insaciavelmente a requerer-lhe que o construa, que lhe confira sentido, e que vertiginosamente se desfaz e se torna estranho e insondável. Decifra-me ou te devorarei.
O céu que nos protege é um olhar (ele próprio quase indiferente) sobre o naufrágio de um pequeno grupo de pessoas em sua última e fatalisticamente votada ao insucesso tentativa de "refazer" suas vidas. Não há o que decifrar, e todos acabam devorados depois de se debater em vão - sem muito esforço nem muita convicção, na verdade - contra o impossível.

Port: não há sentido
Ao andar por uma poeirenta e pedregosa estrada nos arredores de uma cidadezinha perdida do Saara, Port, o personagem de Bowles/Bertolucci, "não levantava os olhos porque sabia o quanto a aparência da paisagem não teria nenhum sentido. É preciso energia para investir a vida de sentido e, no momento, essa energia faltava-lhe" (p.149).
O título do livro, e do filme, "o céu que nos protege", não sinaliza nenhuma esperança transcendente, nenhuma saída religiosa. "O céu aqui é muito estranho. Quando olho para ele tenho a sensação de que é sólido lá em cima, protegendo-nos do que está atrás. (...) Mas o que está atrás? (...) Nada, acho eu. Só a escuridão. A noite absoluta." (p.94)
Este céu "sólido" é o limite da frágil bolha de sentido dentro da qual podemos viver, mas que está pronta a arrebentar a qualquer momento. E arrebenta mesmo. "Uma estrela negra aparece, um ponto escuro na claridade do céu noturno. Ponto escuro e via de acesso ao repouso. Estenda a mão, rompa o tênue tecido do céu que protege, descanse" (p.218). Port está morto.

Kit: não há repouso
Kit não morre, nem tem acesso ao repouso. "Antes dos vinte [dizia ela], eu achava que a vida era uma coisa que estava sempre tomando um ímpeto. Eu ficaria mais culta e madura a cada ano. Aprenderia sempre mais, ficaria mais sábia, com mais intuição, chegando cada vez mais perto da verdade...Ela hesitou. Port riu abruptamente. - E agora você sabe que não é assim. Certo? É mais ou menos como fumar um cigarro. As primeiras baforadas têm um gosto maravilhoso e você não imagina que possam acabar. Aí você começou a não lhe dar valor algum especial. Subitamente percebe que já queimou quase até o fim. É aí que você se torna consciente do gosto amargo" (p.153/4).
Se não há sentido, não poderia ao menos haver descanso? Não necessariamente o da morte: por que não o da indiferença? "Se pudesse apenas desistir, relaxar, e viver sabendo perfeitamente que não havia esperança. Porém nenhum saber era um saber certo; o porvir sempre dispunha de mais de uma direção possível. Não se podia sequer desistir da esperança" (p.192). Kit vai enlouquecer.

Incomunicabilidade
Port e Kit não se comunicam entre si: dormem em quartos separados, têm sensibilidades muito diferentes diante das coisas mais banais (uma paisagem, o relato de um sonho, as pessoas com quem encontram, como a exótica família Lyle, a própria presença de Turner). Turner, o terceiro personagem, tem a função de agravar o malestar, a impossibilidade de contato do casal Port/Kit.
Para eles, é muito importante se reaproximar um do outro, fortalecer os laços afetivos; mas nada do que fazem nesse sentido dá certo, e os desencontros se somam sem qualquer perspectiva. Port se deixa envolver com prostitutas e bailarinas, Kit tem uma noite de sexo com Turner, mas são acontecimentos exteriores ao desejo, à vontade, ou mesmo à consciência de ambos: coisas que ocorrem como que por fatalidade, mecanicamente.

Turner: irremediavelmente banal
Turner, superficial, autosuficiente, banal, curte a viagem um tanto irresponsavelmente. Tenta previsivelmente seduzir Kit - e complica ainda mais a confusão na medida em que, num certo sentido, o consegue -; torce um pouco para que Port se afaste, mas tudo sem muito envolvimento ou profundidade. Turner tampouco terá salvação: seu destino, não melhor do que o dos demais, é o de sair dessa viagem tão tolo, perdido e inconsequente como entrou.

Arquitetura do desalento
O sentimento do mundo com que Bowles e Bertolucci trabalham não é mais o da sociedade industrial ao qual correspondia a estética clássica da montagem cinematográfica. Os elementos estruturais do fenômeno retratado de que fala Eisenstein, a estrutura do comportamento emocional do homem impõem a O céu que nos protege uma pelo menos aparente falta de arquitetura, um ritmo independente da intervenção humana, um "tempo real" que dá a sensação do fluir indiferente das coisas e do caráter "estrangeiro" do homem no mundo.
Do ponto de vista da composição, o filme (como o livro) apela para a simplicidade: "o objeto da imagem e a lei da estrutura, pela qual ele é representado, podem coincidir. Este seria o caso mais simples, e o problema composicional em tal aspecto mais ou menos se resolve por si mesmo" (Eisenstein, Film Form, p.151). O desalento dos personagens, sua incomunicabilidade, seu isolamento não poderiam ser melhor representados do que pelas magníficas paisagens dos desertos e dos estranhos homens e culturas que o habitam.
A despropositada bagagem que os personagens carregam, sua elegância incongruente sublinham o clima de deslocamento: eles não pertencem àquele ambiente, àquele clima, àquela cultura, àquele mundo.
A magestade, a grandiosidade, a esterilidade da paisagem sublinham a pequenez do homem e a inutilidade dos seus débeis gestos para alterar o curso inexorável das coisas, ou até mesmo para se comunicar com o próprio semelhante.

Uma história sem “moral”
O céu que nos protege não é um (melo)drama, com os conflitos, o sentido e a moral de uma narrativa clássica. Ao comentar seu primeiro filme (A ama-seca) e suas diferenças em relação a Pasolini, com quem acabara de filmar Accattone, Bertolucci menciona o que os separa: “a diferença substancial em nossa abordagem da morte”.
“Pier Paolo tinha uma concepção clássica da morte; ela é inteiramente sagrada, na tradição das tragédias gregas. Em A ama-seca, a morte é ouvida à distância como uma canção cantada em tom menor. Ela simplesmente marca a passagem do tempo, o decorrer das horas em um dia, o fluir nas vidas diárias dos personagens que não têm o destino ou a ambição de deixar sua marca na história."

Aqui também, em O céu que nos protege, a morte envolve, em tom menor, o grupo de personagens, sem destino ou ambição para moldar o rumo das suas próprias histórias.
A luz que banha as coisas e os homens no deserto de Bertolucci não vem do céu: é a luz fria do laboratório do cientista que observa indiferente o comportamento de seus insetos. O "cinéfilo perverso" que Bertolucci se proclama está interessado é nela, na luz e nos seus efeitos, e não nas míseras moscas que se agitam e morrem sob seu foco.

Brasília, maio 1991/julho 2009.

Post Scriptum
Tentativa de explicitação de algumas idéias meio crípticas do trabalho

A idéia básica: uma contraposição entre o espírito da chamada "modernidade" e o da pós-modernidade.
Características do primeiro: o homem se sente "amo e senhor da natureza"; o mundo não está aí só para ser contemplado e refletido (no conhecimento, na arte, na religião), como no período medieval, mas para ser (re)feito. Pelo trabalho, pela tecnologia, o homem domina as forças da natureza e as submete a um projeto humano. É a consciência humana, a ação humana, a intervenção do homem que dá sentido ao mundo. O fundamental, nesse contexto, é que o homem acredita que a vida, a história, o acontecer humano tem sentido.

Já a sensibilidade do homem pós-moderno se ressente da falência das grandes utopias que vinham dando esse sentido à sua história, à sua ação. Não se acredita mais na religião ("Deus está morto: tudo é permitido"), no progresso, na razão, na luta de classes, no proletariado ou seja lá no que for como capaz de explicar, de unificar, de mostrar uma finalidade, um rumo coerente, claro, geral, para a ação humana como um todo. É a falência das "grandes narrativas" (Lyotard) de que falam os pós-modernos.

A idéia seguinte é ligar isso com a estética (a "linguagem") do cinema, a partir de uma sugestão de Eisenstein. Na introdução de O sentido do filme, o apresentador (José Carlos Avellar) resume um prefácio que Eisenstein escreveu para a edição inglesa do livro, e que não chegou a ser publicado. Neste prefácio Eisenstein diz que os aumentos e diminuições do uso da montagem (não só no cinema, mas nas artes em geral) não são obra do acaso, mas estão associados ao caráter do contexto social em que ocorrem. Diz ele: "nos períodos de uma intromissão ativa no desmonte, reorganização e reestruturação da realidade, nos períodos de uma reconstrução ativa da vida, a montagem ganha entre os métodos de construção da arte uma importância e uma intensidade que não cessam de crescer"(grifo meu). Daí minha associação: montagem cinematográfica/ linha de montagem industrial/intervenção humana impondo forma e sentido ao dado natural. Há uma estética (uso amplo da montagem, estrutura narrativa clássica: há algo que "acontece", uma ação que se desenrola, com "começo, meio e fim") e uma forma de vida que são afins, que se correspondem.

Já no nosso filme o clima é bem diferente, ninguém tem pique para dar sentido a nada, a psicologia é muito mais de "deixar-se levar", sem muitas ilusões ou esperanças. Porisso eu digo que o filme é brilhante porque é chato: ele quer ser chato, ele quer passar esse clima arrastado, meio sufocante (mas sem nada de "trágico": revoltar-se contra o destino ainda é uma maneira de acreditar que há um destino, um script para a vida humana). "Refazer" a vida é um objetivo que só pode fracassar: se a vida nunca foi feita, se não há o que, nem por que fazer nada... [Não compartilho - inteiramente - esse sentimento, mas o compreendo, e acho que o filme trabalha com ele] A esse outro tipo de feeling existencial corresponde outra "estética": ritmo lento, poucos recortes, "tempo real", falta de "mensagem", de "soluções" - conflitos que não se resolvem, e tantas coisas que foram lançadas contra o filme como críticas, mas que me parecem fazer parte das suas intenções.

Sobre a questão da composição, que ao que parece também ficou confusa: pelo que entendi do Eisenstein (Film Form, p.151), acho que ele quer dizer que é meio óbvio expressar a alegria por imagens saltitantes de uma criança pulando, ou o vazio e a solidão por imagens lentas de um deserto vazio: "o objeto da imagem e a lei da estrutura pelo qual ele é representado" coincidem simplesmente. Sem tal extremo de obviedade, acho que Bertolucci não foi lá muito "dialético" na composição, neste sentido.

BIBLIOGRAFIA:

AMENGUAL,B. Chaves do Cinema. Rio, Civilização Brasileira, 1973.
BOWLES,P. O céu que nos protege. Rio, Rocco, 1990.
DIVERSOS Enciclopedia Ilustrada del Cine. Barcelona, Labor, 1969.
EISENSTEIN,S. Film Form. London, Dennis Dobson, 1951.
EWALD Fº,R. Dicionário de cineastas. Porto Alegre, L&PM, 1988.
RANVAUD,D./UNGARI,E. Bertolucci by Bertolucci. London, Plexus, 1987.
WILLIANS, Tennessee “An Allegory of Man and His Sahara”em http://www.nytimes.com/books/98/05/17/specials/bowles-sheltering.html?_r=1, acessado em 22/7/2009.
LOPES, Chico “O encanto do Deserto esmagador: revendo um Berlolucci polêmico” em http://www.verdestrigos.org/sitenovo/site/cronica_ver.asp?id=1084, acessado em 23/07/2009


Bertolucci - Filmografia
1962: La commare seca (A ama-seca)
1964: Prima della rivoluzione (Antes da revolução)
1965/66:La via del petroleo (O caminho do petróleo), documentário.
1966: Il canale (O canal)
1967: Agonia (episódio de 28 min)
1968: Partner
1970: Strategia del ragno (A estratégia da aranha)
1970: Il conformista (O conformista)
1971: La salure è malata (ou I poven muoioni prima), documentário, 35 min.
1972: Ultimo tango a Parigi (O último tango em Paris)
1976: Novecento (1900)
1979: La Luna (A lua)
1981: La tragedia di un uomo ridicolo (A tragédia de um homem ridículo)
1987: Ultimo Imperatore (O último Imperador)
1990: The Sheltering Sky (O céu que nos protege)
1993: Piccolo Buddha (O Pequeno Buda)
1996: Io ballo da sola (Beleza Roubada)
1998: L'assedio (Assédio)
2002: Ten Minutes Older: The Cello (segmento de "Histoire d'eaux")
2003: The Dreamers (Os Sonhadores)

Bernardo Bertolucci nasceu em 1941, filho do poeta e crítico Attilio Bertolucci. Entre os 12 e os 15 anos escreveu poesia e rodou filmes amadores em 16 mm: O Teleférico, Morte de um porco. Foi assistente de direção de Pier Paolo Pasolini (Accatone, 1961).

Bertolucci, como seu pai Attilio, foi militante do PC italiano desde jovem. Seu projeto mais ambicioso, 1900, apresenta um painel de 100 anos da história italiana, em duas partes, em forma de uma verdadeira saga operária. Em O último Imperador revela evidente simpatia pela revolução chinesa. Por outro lado, seus filmes muitas vezes são elaborações de temas literários, como A estratégia da aranha, inspirada no "tema do traidor e do herói" de J.L.Borges, ou O conformista, baseado numa novela de Alberto Moravia. Este é também o caso de O céu que nos protege (1990), onde segue o romance do mesmo nome do escritor americano Paul Bowles.

sábado, 18 de julho de 2009

Por que "Beijing"?


A capital da China não mudou de nome, ao contrário da cidade de Leningrado, por exemplo, que voltou a ser São Petersburgo. Pequim é a mesma, e tem o mesmo nome, pelo menos desde os anos 1500, quando os portugueses andaram por lá e transcreveram para o nosso idioma a forma como os chineses pronunciavam o nome da sua cidade: Pequim. Há cinco séculos essa palavra é usada, em português, para se referir à capital da China.

Os chineses mudaram, há alguns anos, a forma de transcrição fonética dos seus caracteres - Mao Tse Tung virou Mao Zedong, etc - para ficarem mais próximos da pronúncia inglesa.

Após um congresso de mulheres em Pequim, algumas brasileiras voltaram achando que era "politicamente correto" usar a palavra como os chineses decidiram transcrever, para ser lida em inglês. Dessa forma, resolveram dispensar o termo que usamos, secularmente, para designar a capital da China, o velho e bom "Pequim". E a imprensa toda foi atrás.

Para início de conversa, que valor tem, em português esse “g” final de Beijing? É para pronunciar “beijingue”? Que outras palavras vernáculas existem com essa terminação exótica?

Se foneticamente a coisa não faz sentido, pelo lado histórico ou político ela também não se sustenta. A capital da China não mudou de nome, ao contrário da cidade de Leningrado, por exemplo, que voltou a ser São Petersburgo. Pequim é a mesma, e tem o mesmo nome, pelo menos desde os anos 1500, quando os portugueses andaram por lá e transcreveram para o nosso idioma a forma como os chineses pronunciavam o nome da sua cidade: Pequim. Há cinco séculos essa palavra é usada, em português, para se referir à capital da China.

Politicamente, não se considera incorreto usar a forma portuguesa de nomes de cidades ou países: chamamos Sverige de Suécia, Moskba de Moscou, London de Londres, Firenze de Florença, Hrvatska de Croácia, e ninguém reclama ou se ofende com isso.

Em relação à China, se fôssemos coerentes, deveríamos mudar não só a forma de nos referir à capital, mas também às demais cidades. O professor Cláudio Moreno, em seu site (http://www.sualingua.com.br/06/06_pequim.htm), dá uma lista de exemplos:

Cantão - Guangzhou
Xangai - Shanghai
Nanquim - Nanjing
Hong-Kong - Xianggang

Onde existem palavras, em português, que usem o “sh” para o som de “x” ou de “ch”? E quem, em sã consciência, acha mesmo que devemos passar a chamar Cantão de “Guangzhou” (aliás, como se diz isso?)? Ou que Hong-Kong fica muito mais inteligível, na nossa língua, se nos referirmos a ela como “Xianggang”?

Por que faríamos isso? Por que violentar nossa língua com uma ortografia e uma fonética inventadas para se adequar ao inglês, quando temos, no bom e velho português, palavras perfeitamente respeitáveis, que já existiam muito antes de os próprios ingleses terem tido qualquer contato com a China?

E quem tem um daqueles simpáticos cachorrinhos não precisa passar a chamá-los “beijingneses” - pode continuar usando tranquilamente o adjetivo “pequinês”, sem medo de estar ofendendo politicamente a grande, milenar e admirável nação chinesa, cujas preocupações são muito mais importantes do que essas.

E para quem tem medo de infringir regras oficiais, indico o site do Itamaraty, cujos textos oficiais continuam chamando Pequim de ...Pequim!

terça-feira, 7 de julho de 2009

O estado é laico: ainda?


Pela Constituição federal, o estado brasileiro é laico, ou seja, a separação entre estado e Igreja é um princípio básico do nosso direito constitucional.
O acordo entre o governo brasileiro e a Santa Sé, que formaliza o estatuto jurídico da Igreja Católica no país, levanta, no mínimo, inquietações quanto ao futuro desse princípio.


A Igreja Católica - entre outras - tem uma longa tradição de influência em matéria legislativa no país. Atrasou em décadas a aprovação da lei do divórcio, tem um grande peso no tratamento da questão do aborto, interfere nas políticas públicas de educação sexual, controle da natalidade, prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, pesquisas com células tronco.

Embora o acordo que está em pauta procure cercar de todas as garantias a liberdade religiosa e o respeito à pluralidade de crenças, não há dúvidas de que concede à Igreja Católica uma posição peculiar, que não se estende às demais.

Argumenta-se que isso decorre do fato de que o Vaticano é um estado, o que torna possível e adequada a assinatura de um acordo, instrumento que não poderia ter paralelo com as demais religiões. O argumento revela-se frágil, entretanto, diante de uma possível alternativa: estaria o estado brasileiro disposto a aprovar um texto semelhante com a República Islâmica do Irã, assegurando ao Islã o mesmo estatuto que confere à Igreja Católica? E como ficaria a relação com o Reino Unido, onde a rainha é chefe do estado e também da Igreja Anglicana?

Se o acordo com o Vaticano não cria nada de novo ou de diferente do que já existe na legislação brasileira, sua assinatura seria no mínimo desnecessária. E pelo teor dos debates e das inquietações que vem levantando, que trazem à memória a antiga fase das concordatas, tudo indica que é inoportuno.
------------------------

Constituição da República Federativa do Brasil

(...)

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
Acordo Brasil x Vaticano

----------------
Visto na rede:

| author: Lingua de Trapo

(...) independentemente da minha confissão religiosa, acho um absurdo um estado que, constitucionalmente é definido com laico, firmar acordos com quaisquer confissões religiosas que visam subsidiá-las. Quando o faz, está obrigando todos os cidadãos a também fazê-lo, independentemente de sua crença e vontade. (http://linguadetrapo.blogspot.com/2008/11/acordo-brasil-x-vaticano.html)

Luiz moura Disse: segunda-feira, 17 de novembro de 2008 às 11:45
(...) O que esta turma quer mesmo são as chamadas isenções fiscais que os permitem operar no
mercado privado seja com escolas, universidades, hospitais, emissoras de radio e TV com os benefícios da lei da filantropia.

MÍDIA, IGREJA E ESTADO - Acordo por debaixo dos panos
Por Alberto Dines em 17/11/2008

(...)

Nem a poderosa mídia eletrônica evangélica protestará porque não está interessada no ensino religioso. O que ela deseja é continuar distribuindo aos seus deputados mais e mais concessões de radiodifusão. Esta é a forma com que o governo gerencia o seu laicismo: oferece vantagens às confissões majoritárias e não se importa em atropelar o espírito e a letra da Carta Magna.