segunda-feira, 4 de junho de 2012

INQUIETAÇÕES PÓS-CÉTICAS

DEPOIS DO CETICISMO(*)
Sexto Empírico
O ceticismo põe em dúvida, de forma extremamente rigorosa e conseqüente, nossa capacidade de chegar a crenças verdadeiras justificadas. Para salvar, contudo, a comunicação e a ação, impossíveis sem uma base de crenças compartilhadas, o cético apela a uma linguagem destituída da força ilocucionária da asserção, ou a um domínio natural ou prático, capaz de fornecer certezas ao mesmo tempo não fundadas e não sujeitas a dúvida. Procura-se mostrar que um cetidsmo contemporâneo encontra bloqueadas ambas essas saídas, o que o obriga, pelo menos, a se tornar muito mais radical.

Scepticism casts doubt - in a very rigorous and consequential way - on our ability to reach true justifiable beliefs. In order to preserve the possibility of communication and action (which depends upon shared beliefs), the sceptic appeals either to a language devoid of assertive illocutionary force or else to a natural or practical domain. The latter provides certainties which are neither grounded nor subject to doubt. In this paper an attempt is made to show that both ways are blocked for a contemporary sceptic. This fact forces him, at the very least, to become much more radical.

Em diversas discussões atuais, as expressões cético e ceticismo não são usadas para designar uma escola ou doutrina filosófica historicamente determinada, ou seus adeptos ou representantes. Servem antes como conceitos-valise, dentro dos quais se abrigam por certo algumas características do ceticismo antigo, mas que expressam sobretudo o resultado de uma estilização. O Cético, herói ou vilão de tantas controvérsias, não será nenhuma figura de carne e osso, seja ela Sexto Empírico, Descartes, Hume ou Goodman, mas algo como um tipo ideal weberiano, ou um personagem estereotipado da Comédia dell'Arte. A recorrência deste personagem no cenário filosófico, sua persistente resistência às reiteradas refutações de que é incansavelmente alvo, devem ter algo a nos ensinar.

Vencer o cético é uma obsessão da filosofia, tanto mais curiosa quanto parece ser o caso que ele é antes de mais nada uma criação dela mesma. A literatura filosófica recente nos fornece exemplos muito mais abundantes de céticos criados pelos filósofos para serem refutados do que daqueles que, motu proprio e sponte sua, tenham se apresentado para desafiá-los. Real ou estilizado, contudo, o cético aparece como o avesso do filósofo; refutá-lo, vencê-lo, significa para o filósofo afirmar-se. De quanto tiver de ceder ao ceticismo resultarão os contornos do espaço que lhe restará. Decifrar com maior clareza os traços desse outro é para a filosofia uma tarefa de autoconhecimento, e não um simples passatempo analítico.

Por isso, neste trabalho, além de tentar sistematizar os traços mais marcantes desse personagem que freqüenta as discussões contemporâneas, evocando pari passu as contestações que lhe são mais comumente dirigidas e suas maneiras de escapar das mesmas, procurarei, ao final, encaminhar algumas considerações críticas. Não anti-céticas, o que seria certamente inútil; algo talvez no sentido de um pós-ceticismo, mais à feição desse tempo fragmentado e desencantado que é o nosso.
O ceticismo que irei (re)construir a seguir comporta variantes, que se deixam contudo organizar em torno de quatro pontos, ou momentos de um hipotético itinerário clínico: (i) sintomas, (ii) diagnóstico, (iii) terapia, (iv) recuperação.