terça-feira, 12 de julho de 2011

Ética e Política-resumos

Pequena síntese da idéia central de alguns dos autores propostos num curso sobre Ética e Política realizado em 2008 no Cefor da Câmara dos Deputados.

PLATAO
Para Platão, a razão deve governar a conduta, do indivíduo ou da sociedade. Por instinto (ou segundo simplesmente a sua vontade), todo homem seria injusto (prepotente, egoísta). A justiça não é uma qualidade individual: depende da educação e do controle social.(cf. O anel de Giges (República, 359b-360a)).
Dos três tipos de homem – o que busca a riqueza, o que busca o poder e o que busca o conhecimento – é o último, que Platão chama “o filósofo”, o que tem mais “experiência, sabedoria e raciocínio”, e é portanto o que deve governar. A razão (representada pela educação e pela sociedade) deve portanto se sobrepor ao instinto, no que concerne à moral.

MAQUIAVEL
A ética individual, judaico-cristã, não se aplica à esfera da política, onde vale o espírito público: um conjunto de valores greco-romanos voltados à conquista do poder e à promoção da grandeza e da ordem do Estado. Para Maquiavel, a ética política é uma “ética da responsabilidade” (conceito introduzido por Max Weber, séculos mais tarde), em que os resultados da ação (à luz dos interesses do Estado) pesam mais do que os princípios que conduzem à salvação da alma individual.

KANT
O conceito central da ética kantiana é o de dever, formalmente concebido, isto é, Kant não nos diz o que fazer em cada situação, mas nos dá um princípio geral segundo o qual nós, como homens livres, devemos determinar a nossa ação. Esse princípio é o imperativo categórico: “age sempre de forma tal que possas querer que a regra da tua ação possa se tornar uma lei universal”. Ou seja: pensa se aceitarias que todos agissem da mesma forma.

Nesse princípio aparece claramente o vínculo entre a liberdade individual e a esfera coletiva. Kant concebe a política em estreita vinculação com a ética. Ele propõe a república como a forma de organização social melhor equipada para conciliar as tendências antagônicas dos indivíduos: isolar-se, ou associar-se em comunidades. O conceito de república pressupõe três condições ou critérios: a liberdade, a igualdade e a submissão de todos a uma legislação única. No quadro da sociedade republicana, os conflitos, as diferenças e oposições não são sufocados nem eliminados, mas encontram espaço para se neutralizar e equilibrar.

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FREUD
Trata do conflito entre as exigências do instinto e as restrições da sociedade – conflito que produz o que ele chamou de “mal-estar na civilização”. Há dois instintos naturais básicos, Eros, o instinto de vida (compartilhamento, amor, libido) e Tanathos, o instinto de morte (agressão, destruição, domínio). A civilização reprime ambos, de diferentes maneiras, produzindo um sentimento de culpa. O mito do assassinato do pai primitivo pelo grupo de irmãos ilustra isso.

A ética seria uma tentativa “terapêutica” de canalizar o instinto sexual para a formação de uma comunidade ligada por vínculos libidinais, a partir dos indivíduos isolados. Ao mesmo tempo, precisa se contrapor à inclinação para a agressividade mútua, que constitui o maior estorvo à civilização. O excesso de exigências éticas pode produzir, no plano individual, a infelicidade e a neurose; no plano coletivo, pode levar algumas sociedades, ou algumas épocas, a se tornarem “neuróticas” num sentido análogo. 

KOHLBERG
Lawrence Kohlberg estudou, na linha de Piaget, os estágios do desenvolvimento da consciência moral, da infância à idade adulta. Distinguiu três níveis nesse desenvolvimento.
O nível I, pré-convencional , é subdividido em dois estágios, onde predomina a visão da punição como razão para seguir as regras, seja entendidas como externas e absolutas, oriundas de uma autoridade inquestionável, ou como relativas aos interesses individuais, dando espaço à negociação como “troca de favores” entre os indivíduos. 
O nível II, convencional, também se subdivide em dois estágios. No primeiro, as considerações morais se expandem do indivíduo para a família e o grupo de amigos; as motivações morais passam a abranger o caráter e as intenções dos atores. No segundo, aparece já a preocupação com a sociedade como um todo, e a necessidade de manter a ordem social como motivo para seguir a lei e obedecer às autoridades. Finalmente, no nível III, pós-convencional, aparece a preocupação com o que seria uma boa sociedade (estágio 3.1): a que protege certos direitos individuais, e tem um método democrático de decidir as disputas. No último estágio (3.2), é atingida uma concepção mais ampla dos princípios universais, que inclui a justiça e não apenas os direitos estabelecidos. Em caso de conflito entre as partes, cada uma deve ser capaz de olhar a situação do ponto de vista da outra, buscando a justiça. Aqui se abre espaço para a desobediência civil (contrariar regras injustas-Gandhi, Luther King) e para a criação de novos direitos.
 “A maturidade moral é atingida atingida quando o indivíduo é capaz de entender que a justiça não é a mesma coisa que a lei; que algumas leis existentes podem ser moralmente erradas e devem, portanto, ser modificadas.”

PINKER
Steven Pinker ( “Sobre Santos e Demônios”, FSP, 10/02/2008) busca aplicar métodos científicos ao estudo do senso moral. Para ele, as pesquisas permitem identificar alguns “universais éticos” básicos, que cada época ou sociedade combina em proporções e formas diferentes, criando seu próprio perfil ético. Seriam como as cores fundamentais, que pintores diferentes combinam de formas diferentes para pintar coisas diferentes em estilos diferentes.

Não-agressão, justiça (“muito próxima do que os cientistas chamam de altruísmo recíproco”), comunidade (ou lealdade ao grupo), obediência à autoridade, e pureza- seriam as cores primárias de nosso senso moral.

“As cinco esferas morais são universais, um legado da evolução. Mas como elas se classificam em importância, e qual é acionada para moralizar cada área da vida social - sexo, governo, comércio, religião, dieta e assim por diante-, depende da cultura.” Isso explicaria como o senso moral pode ser universal e variável ao mesmo tempo.

O possível relativismo moral dessa posição é evitado com o apelo à “teoria do círculo em expansão” (Peter Singer) – “a proposta otimista de que nosso senso moral, embora moldado pela evolução para supervalorizar a si mesmo, aos parentes e ao clã, pode nos levar a um caminho de progresso moral, pois nosso raciocínio nos obriga a generalizá-lo para círculos cada vez maiores de seres sencientes.” Encontramos aqui, mais uma vez, a razão equilibrando e ampliando os limites do instinto moral fornecido pela evolução.

REJANE XAVIER
No artigo sobre os conflitos ligados à alocação dos recursos em saúde (http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewArticle/370), são examinadas as condições necessárias para uma ética do gerenciamento do conflito legítimo, apontada como a única adequada e possível para o nosso tempo.

Destaca-se, inicialmente, a necessidade da ética de apoiar-se em uma forma de vida compartilhada. Historicamente, diferentes formas de sociedade conseguiram incorporar, de fato ou idealmente, um conjunto de valores que todos os seus membros reconheciam. Já na sociedade contemporânea diferentes formas de vida passaram a coexistir, sem um denominador comum de valores que lhes assegurem coesão ou mesmo diálogo. Porém assuntos comuns, em que se apresentam pontos de vista divergentes, passam muitas vezes a requerer uma mediação entre as “ilhas” desse arquipélago social, que têm visões diferentes sobre o que é certo ou errado, desejável ou inaceitável. 
A saída sugerida seria a abertura de um espaço de participação conjunta nas decisões e nas ações que afetarão esses grupos. Não basta a simples discussão (nem mesmo aquela, ideal, preconizada por Habermas): “é tendo a responsabilidade de agir, de dar razões da ação, e de arcar com as conseqüências que se aprende a viver junto.”

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